O Globo
Pequeno tutorial para quem ainda está meio perdido no momento histórico que a votação deste projeto de Lei representa para a web nacional
Com votação inicialmente prevista para hoje, o Marco Civil da Internet só será votado na primeira semana de trabalho depois do recesso parlamentar, que vai de 18 a 31 de julho. O adiamento, decidido pela comissão especial da Câmara, se deu por falta de quórum.
Para quem ainda não entendeu direito o que é esse tal Marco Civil da internet brasileira, basta considerar que, para evitar que a internet vire uma “terra de ninguém”, é preciso que existam regras que balizem seu funcionamento, definindo direitos e deveres para seu uso nos domínios da rede.
Muitos argumentam que — da mesma forma que para dirigir um automóvel é preciso fazer um pequeno curso básico de direção, passar num exame não muito complexo e receber uma carteira de motorista —, com a internet deveria acontecer o mesmo. A ideia é até boa, mas até hoje não foi implementada em país algum do mundo.
Ideal também seria que um conjunto único de regras pautasse o comportamento de empresas e pessoas na grande rede no planeta inteiro, algum corpo legal multinacional e unificado que fosse respeitado e cobrado em todos os países. Outra utopia, pelo menos por ora.
Mas esses arquétipos não são, a princípio, inatingíveis. E, para se chegar até lá, é preciso ir compartimentalizando a forma de disciplinar formalmente o uso da internet. Assim, o primeiro passo que os países estão dando é “arrumar a casa”, para depois, quem sabe?, tentar universalizar as regras.
Aqui no Brasil, uma primeira iniciativa foi tomada nesse sentido com o PL (Projeto de Lei) nº 5403, de 20 de setembro de 2001, que dispunha sobre o acesso a informações da internet e a atuação de provedores e empresas telefônicas oferecendo serviços de acesso. Foi um pontapé inicial, mas o texto era curto, superficial e pouquíssimo elucidativo. Veja em <http://bit.ly/dm_pl0>.
A mais recente investida nessa questão foi tomada em 29 de outubro de 2009 pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e pelo Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro, que, juntos, propuseram um conjunto de regras a que chamaram de Marco Civil da internet, com o intuito de regular direitos e responsabilidades de internautas, prestadores de serviços e provedores de conexão, além do papel do Poder Público com relação à rede.
A partir dos debates e de sugestões da primeira fase do projeto, foi formulada a minuta do anteprojeto, que entrou numa segunda fase de debates, iniciada em 8 de abril de 2010 e terminada no dia 30 do mês seguinte, contando com participação popular, que gerou mais de 2,3 mil comentários na elaboração do texto. Em 24 de agosto de 2011, o projeto de lei foi enviado à Câmara, tendo recebido o número 2126/2011, e tendo como relator o deputado Alessandro Molón.
Caso aprovado, o texto seguirá para votação na própria Câmara ou será encaminhado para uma comissão, como a de Constituição e Justiça. Se, após esses trâmites, o texto for aprovado pela Câmara e depois pelo Senado, caberá à presidente Dilma Rousseff promulgar ou vetar a Lei.
Há vários pontos controversos no texto do PL, como, por exemplo o tema de supressão de conteúdos na web por força de mandados ou liminares. Pelo fato da temática envolver questões pegajosas como liberdade de expressão e direitos civis, é ainda incerto o critério do que pode ou não permanecer publicado na internet.
Este tópico é um desdobramento do controvertido conceito da neutralidade na internet, preceito fundamental que obriga empresas a não adulterar, prejudicar, truncar, filtrar ou discriminar qualquer conteúdo digital ou aplicativo transmitido pela grande rede. São tratadas também no texto outras questões sérias, tais como a privacidade dos usuários, o sigilo e a inviolabilidade das comunicações.
Um aspecto chave na regulação da internet é a questão do tempo. Com a notória lentidão da justiça, contrastando com a exasperante velocidade de propagação de conteúdos na rede, especialmente quando um dado item se torna viral, forma-se uma crescente lacuna entre, de um lado, causa e efeito, e, do outro, infração e punição.
De resto, infelizmente, o PL do Marco Civil da internet não contempla devidamente tópicos como crimes cibernéticos, direitos à propriedade intelectual e nem estipula uma definição clara de responsabilidades de fornecedores de acesso e serviços na internet. Todavia, a simples existência de um aparato legal mais específico para o mundo digital on-line permitirá que novos controles sejam estabelecidos em todo o ambiente web nacional. Assim, com o internauta mais consciente e mais bem preparado, ele próprio poderá funcionar como fiscal da rede.
Por ora, cabe a nós — pessoas físicas e jurídicas que usam ou lucram com a rede — aguardar a tramitação, a votação, os vetos ou aprovações, e o desfecho dessa novela, sem, no entanto, termos ainda uma data estipulada para que concretize essa nova realidade na internet brasileira.
E depois, se tivermos errado em algum ponto nevrálgico, ou se tivermos nos esquecido de incluir alguma situação imprevista ou ainda inexistente no projeto de Lei, precisaremos esperar mais não se sabe quanto tempo, pois, uma vez em vigor, apenas uma nova legislação poderá se sobrepor ao Marco Civil.
Vale a pena ler o texto do projeto na íntegra, em <http://bit.ly/dm_pl1>.