Fantástico
O repórter Francisco Regueira fala ao telefone com uma mulher de Guarulhos, São Paulo, que colocou este anúncio na internet: "Assunto: casamento com estrangeiro que queira obter documento”.
A internet está cheia de anúncios assim: "Casamento por contrato", "Procuro estrangeiro para casamento e regularização de sua residência", "Não importa cor, raça, ou credo, é um negócio. O preço é a combinar".
Respondemos a esses anúncios. Para comprovar a fraude, o repórter se apresentou na mensagem como cidadão português, interessado em casamento com brasileira, para conseguir visto de permanência em nosso país.
"Sou português e moro no Brasil, no Rio de Janeiro. Estou interessado em permanecer por aqui”, disse Chico.
Deu certo. Depois de uma troca de email, o repórter fala ao telefone com a Vânia, de Guarulhos.
“Então é assim: é um negócio que eu quero fazer. É uma coisa , sim, que não é muito...muito legal? É. Mas você sabe, e eu sei, mas o mundo não precisa ficar sabendo disso, certo? “, disse Vânia.
Telefonamos para outras pretendentes. Ao todo marcamos com cinco mulheres para discutir cara a cara a transação.
A convite do Fantástico, para mostrar como funciona esse esquema, um cidadão português nos acompanhou nos encontros. Ele se fez passar por estrangeiro interessado num casamento de fachada.
“Teve um monte de emails lá. Eu não respondi nenhum. Pra ninguém eu passei meu telefone, nada. Porque eu achei você muito educado”, contou Fátima, de São Paulo.
“Três pessoas me ligaram já querendo”, disse Vânia, de Guarulhos.
Marcamos os encontros. As mulheres tomam cuidam quando vão falar com um desconhecido na rua. Repare que a Valquíria foi ao encontro acompanhada de um rapaz. Mais tarde você vai entender qual é o papel dele nessa história.
“O risco que tem é o seguinte: tudo tem que ser feito no absoluto sigilo. Porque não é uma coisa legal”, explicou Walquíria, de Salvador.
“O brasileiro é processado por falsidade ideológica. Porque não pode, entendeu? É um crime”, explica Iná, de Curitiba.
“A Polícia Federal, ela vai inspecionar de tempo em tempo na minha casa. A minha maior preocupação é essa”, alertou Vânia.
“Vão querer ir na casa, ver se tem lá fotos, assim”, revelou Iná, de Curitiba.
Já a Simone, levou a irmã, que é quem ensina a enganar a Polícia Federal.
“Ele pode ter a vida dele. Só se procurarem ele você fala: "o meu esposo está em São Paulo trabalhando", afirmou Simone, de Limeira - SP.
“Ligam pra algum parente pra perguntar: ‘Ah, realmente ele casou?’. Tem esses detalhes, pra daí eles dar a permanência pro estrangeiro”, disse Iná.
Fantástico: “Tem alguém da sua família que possa, por exemplo, comprovar isso?”
Iná: “Eu moro com o meu irmão aqui, também é estudante. E daí tem que falar com ele mais ou menos, né? Com meu pai, falo”.
E no cartório também é preciso fazer um teatro.
“Entrar de mão dada os dois, tem que usar aliança de noivo”, explica Simone.
Segundo os conselhos da Walquíria, o falsio casal deve se conhecer como se fossem dois pombinhos apaixonados.
“Conversar mais, saber o que um gosta, o que gosta, o que gosta de comer, o que não gosta de comer, entendeu? Gosta de viajar, pra onde que gosta, essas coisas assim de hobbies, entendeu? O que mais irrita num, o que irrita no outro, sabe? Combinar essas coisinhas, sabe? Tanto eu sobre ele, quanto ele sobre mim, entendeu?”, disse Valquíria.
É assim que a Polícia Federal tem como investigar e descobrir a farsa.
“Um policial se vale às vezes das pegadinhas que são aquelas perguntas da vida rotineira de qualquer casal que só um sabe responder sobre o outro. O hábito do cônjuge, a maneira de conviver, de dormir, de morar”, afirmou o delegado da PF André Diniz.
Segundo dados do Ministério da Justiça, o número de estrangeiros legalizados no Brasil vem aumentando ano a ano. Em dezembro de 2010, havia menos de um milhão. Seis meses depois, em junho de 2011, o número pulou pra quase 1,5 milhão. Um aumento de cerca de 50%.
“O Brasil é um país de miscigenação, bem miscigenado. É um país que você não tem uma cara de brasileiro. Você tem o japonês, você tem o oriental, você tem o negro, o branco, o mulato, o pardo, então essa miscigenação faz com que seja fácil você se passar por brasileiro. Então eu posso ter alguém vinculado a um grupo criminoso, vinculado a algum tipo de atividade terrorista que queira se passar por brasileiro então tá iniciando o procedimento através de um casamento”, ressaltou o advogado e professor de Direito Internacional.
Pra se casar com brasileiro, o estrangeiro precisa apresentar uma série de documentos, que vão ser checados pelas autoridades. Uma declaração de que não foi processado ou condenado criminalmente no Brasil ou no exterior e pelo menos mais quatro documentos. O Ministério da Justiça pode pedir mais papéis se julgar necessário. As esposas de aluguel mostram que conhecem um pouco dessas exigências.
“Eu preciso da identidade, comprovante de residência e a certidão de nascimento. No caso dele, ele precisa de todos esses documentos e precisa também do registro de solteiro de lá de Portugal”, afirmou Valquíria.
Depois de dois anos de casado e residindo no Brasil, o estrangeiro pode pedir naturalização. Aí, o casal que fez a fraude pede o divórcio. A Simone oferece um ano a mais como brinde.
“É um casamento de dois anos. Eu só to acrescentando um ano a mais se ele quiser”, afirma Simone.
Antes da negociação chegar ao que interessa, algumas delas se antecipam dizendo que não querem nada além do combinado.
“Eu, por exemplo, não vou querer o que você tiver. Eu não vou querer, nem você. Sabe aquelas coisas? Isso a gente pode estabelecer em contrato, com advogado, tudo”, afirmou Fátima.
“Como se fosse realmente verdadeiro, sabe? Só que a gente casa com separação total de bens”, disse Valquíria.
E quanto custa esse casamento? Varia conforme a noiva.
“Quanto é?”, perguntou.
“R$ 40 mil”, respondeu Simone.
“Vamos ver se está no teu acordo. Se pudesse assim uns R$ 10 mil pra me ajudar a resolver tudo”, disse Fátima.
“Eu estimo um valor assim, acima de R$ 10 mil”, contou Iná.
Fantástico: “R$ 4 mil é o seu cachê”.
Vânia: “Tem cara cobrando R$ 10 mil. 50% e 50%, os R$4 mil. Eu não sou mercenária”.
“Na hora que ela assinar no cartório, ele dá o dinheiro pra ela. Dá um cheque administrativo, alguma coisa, sabe? Pra segurança de vocês, não precisar andar com dinheiro no bolso”, disse Simone.
“Quanto custa isso?”, perguntou o repórter.
“R$ 20 mil. Esse valor que a gente tá cobrando, mas se você for buscar e procurar, é muito mais caro. Tem pessoas cobrando R$ 30 mil, R$ 40 mil. Porque tem uns que realmente quer fazer dinheiro”, respondeu Valquíria.
Por que ela diz ‘A gente está cobrando’?
O rapaz, que apareceu no início da reportagem, é o namorado de Walquíria
“Vocês moram juntos? São marido e mulher?”, perguntou o repórter.
“Só que a gente não foi no papel”, respondeu.
Eles não se casaram no papel, porque os dois se oferecem para casar com estrangeiro em troca de dinheiro. Para avançar na negociação, o nosso repórter disse que conhece uma portuguesa interessada em se casar no Brasil. O nome é fictício: Matilde. Na mesma hora a Valquíria e o namorado fecharam um pacote.
“Se eu for, um exemplo, casar com ela, a gente vai ter que fazer o mesmo procedimento”, explica o namorado de Walquíria.
Walquíria: “R$ 40 mil”.
Vinte mil pelo casamento com ela e vinte mil pelo casamento com ele. E a irmã da Simone, de Limeira, diz que também topa se casar por dinheiro.
“Você está querendo também?”, perguntou.
“Quero. Já falei pro outro que eu vou. Falei: você vai me enrolar cinco anos, nunca vai casar comigo mesmo, o que você quer? Estou cobrando o mesmo preço”, diz a irmã de Simone.
A Fátima, de São Paulo, pede urgência para fechar o negócio.
A Valquíria quer saber o que nosso repórter achou da conversa em Salvador.
E a Iná, de Curitiba, fixou o preço do casamento em R$ 15 mil. Mas diz que espera uma contraproposta.
Já Simone e a irmã fizeram questão de nos levar ao cartório, pra pegar informações sobre os procedimentos.
Elas foram bem preparadas pra encenar a farsa. Levaram as alianças que tinham mostrado no primeiro encontro.
No cartório, uma funcionária nos deu os procedimentos para casar. Depois, não encontramos as irmãs de novo.
E a Vânia, de Guarulhos, marca um segundo encontro pra receber parte da primeira parcela de R$ 2 mil.
É a comprovação do golpe. E, ela ainda posou para imagens que ajudariam a enganar as autoridades. Depois ela ainda procurou o nosso repórter para continuar a transação. Mas nós não respondemos. Esse tipo de casamento é crime.
“O artigo 299 do Código Penal atribui a conduta de falsidade ideológica para este tipo de comportamento. Então se ele está omitindo ou inserido informação falsa, e nesse caso ele está fazendo isso em um documento público, a pena é de um a cinco anos mais multa”, afirmou Nilton Cesar Flôres, professor e advogado especialista em Direito Migratório.
“O estrangeiro que está clandestino no país ou irregular no país, a ele é imposta uma multa por estada irregular e ele é notificado a deixar o país, sob pena de deportação”, destacou Izaura Miranda, diretora do Departamento de Estrangeiros - MJ.
“O amor é tudo de bom na vida”, declarou Vânia.
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