Folha de S.Paulo
A história parece um filme, de tão pouco crível. Ou uma novela de má
qualidade, cheia de buracos no roteiro e reviravoltas implausíveis.
Começou há mais de 20 anos, ficou adormecida durante algum tempo e agora
está novamente em cartaz. É a passagem de Fernando Collor de Mello pela
presidência da República, um folhetim sem data para acabar.
O mais recente capítulo foi exibido ontem, durante o "Fantástico". A
entrevista da ex-primeira dama Rosane Collor rendeu uma matéria de mais
de 25 minutos no final do programa. Foi bem conduzida por Renata
Ceribelli e editada de maneira didática, cheia de informações para quem
não tem idade para se lembrar do caso. Mas, a rigor, não trouxe um único
dado novo.
Os rituais de "magia negra" na Casa da Dinda já eram comentados na época
do impeachment, e a própria Rosane havia confirmado sua existência em
outras entrevistas. O curioso é que, pela descrição, não parecem muito
diferentes das práticas de algumas religiões afro-brasileiras. É bom
lembrar que Rosane é hoje evangélica fervorosa, e os evangélicos
costumam chamar de "magia negra" quase tudo o que acontece fora de seus
templos.
O que ela pretende com tudo isto? Vingar-se do ex-marido, é óbvio. "O
céu não conhece fúria igual à de uma mulher desprezada", diz um antigo
ditado. Mas nada do que Rosane disse até agora é surpreendente, nem
especialmente danoso ao que resta da reputação de Fernando.
O maior interesse dela parece ser aumentar sua pensão alimentícia, hoje
por volta de R$ 18 mil por mês. Rosane diz que tem amigas separadas que
recebem quase RS$ 40 mil dos ex-maridos, e olha que eles "não são
ex-presidentes nem senadores". Muito sintomático: ela associa riqueza a
poder, como se ambos andassem obrigatoriamente juntos.
No frigir dos ovos, a entrevista não passou de uma ação promocional para
o livro que a ex-primeira-dama está escrevendo com um "ghost writer".
Mas tomara que essa autobiografia traga novidades. Caso contrário, a
novela Collor vai ficar com ainda mais cara de "Não Vale a Pena Ver de
Novo".
Politicamente, esta história já se encerrou. Fernando Collor é hoje
senador por Alagoas e quem sabe até se reeleja governador de seu Estado
algum dia, mas não deve passar disto. É constrangedor vê-lo no Congresso
e até mesmo classificado entre os 100 mais no ranking do programa "O
Maior Brasileiro de Todos os Tempos", mas o Brasil tem problemas mais
graves.
A extinta TV Manchete chegou a gravar os primeiros capítulos de uma
novela chamada "O Marajá", onde o ex-primeiro casal era chamado de
"Elle" e "Ella", mas o programa nunca foi ao ar por decisão da Justiça. A
trama rocambolesca e a quantidade mortes que atingiu o círculo íntimo
do ex-presidente ainda inspira o pouco que existe de ficção política no
Brasil, como a minissérie "O Brado Retumbante", exibida pela Globo no
começo do ano.
Mas enquanto as lacunas não forem preenchidas, a novela da vida real
continuará como obra inacabada. Claro que todo mundo sabe mais ou menos o
que aconteceu, mas é uma narrativa que precisa ser passada a limpo. A
entrevista de Rosane Collor ao "Fantástico" serviu para reavivar nosso
interesse por esta saga. Mas só avançou a história em alguns milímetros:
uma "barriga" imperdoável para qualquer folhetim que se preze.
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